quarta-feira, 5 de abril de 2023

Será que estes 2 filmes da Disney Animation precisavam ser cancelados?

 

Como sabem, filmes cancelados costumam ser cancelados por problemas de roteiro ou porque as circunstâncias não eram favoráveis.

Será mesmo?


Irei falar de 2 filmes cancelados da Disney Animation: "Wild Life" e "My Peoples".

Estes 2 filmes têm 2 coisas em comum:

  1. Personagens de ambos os filmes aparecem na sala das invenções rejeitadas do Cornelius Robinson, no flashback da Doris, em "Os Robinsons" (2007)*;
  2. Ambos os filmes foram tópicos importantes num livro publicado em 2008 chamado "Disney Lost and Found: Exploring the Hidden Artwork from Never-Produced Animation", escrito por Charles Solomon e que mostra as ideias rejeitadas dos filmes (longas-metragens e curtas-metragens) da Disney Animation;
* Convém lembrar que os easter eggs de "Newt" em "Toy Story 3" (2010) e "Brave-Indomável" (2012) e de "Gigantic" em "Zootrópolis" (2016) foram postos antes dos filmes terem sido cancelados.


Portanto cá vai:

Wild Life


Dirigido por Howard Baker e Roger Gould, "Wild Life" ("Vida Selvagem" traduzido literalmente) começou a produção em 1999, sob uma equipe de animadores que incluía Hans Bacher, Floyd Norman Jim Hill, Mac George, Doug Walker, Craig Kellman, Buck Lewis e Darryl Kidder, que também atuou como chefe da história.

Era para ser uma sátira da cultura pop americana dos anos 70 e homenagearia figuras populares da época, como Andy Warhol, Anna Wintour e Diana Vreeland.


A história era a seguinte:

Red Pittsain, o dono de um clube noturno de prestígio, está bastante angustiado porque Kitty-Glitter, a sua outrora amada diva pop, perdeu popularidade.

Sem uma estrela, todos irão para o clube de Magda, editora da "Magazizi", a revista de moda mais popular da cidade e maior rival de Red.

Precisando de algo grande para recuperar a reputação que o seu clube já teve, Red e Kitty encontram em Ella: uma elefanta do zoológico local que é capaz de falar.

Ao principio, Ella fica com medo de ser a nova estrela do clube de Red, mas após um acidente no palco onde é eletrocutada por fios, ela instantaneamente se transforma numa diva cantora e se torna rica e famosa, para a alegria de Red e Kitty. 

No entanto, Ella logo se cansa do seu novo estilo de vida e deseja voltar ao zoológico, o que acaba causando complicações para Red, Kitty e Ella.


Nas palavras de Jim Hill, os diretores esperavam criar algo que realmente "derrotasse a concorrência".

Por outras palavras, era para adultos.


Então porque é que foi cancelado?

Como queriam dar um toque maduro e escrever um pouco de humor voltado para adultos no roteiro, os animadores muitas vezes temiam que a Disney não quisesse lançar o filme.

Esse medo constante foi percebido quando, após ver o rolo de apresentação no outono de 2000, Roy Disney, então vice-presidente da companhia, afirmou estar horrorizado com o humor maduro (particularmente uma piada em que dois personagens gays estão prestes a entrar no esgoto e um comentou "tu já caíste num bueiro* antes?") e ordenou que o filme fosse encerrado.

*Em inglês "bueiro" é "manhole" que traduzido literalmente significa "buraco de homem".


Cliquem aqui para ver as artes conceituais do filme.

Aqui em baixo está um teste de animação feito pelo animador Umesh Shukla, que foi o supervisor de efeitos visuais do filme:



My Peoples


5 meses depois de terminar o seu trabalho em "Mulan" (1998), Barry Cook, um dos diretores do filme, começou a desenvolver um argumento para outro filme de animação baseado num conto que ele havia escrito chamado "The Ghost and The Gift" ("O Fantasma e o Presente", traduzido literalmente) que envolvia 3 crianças e um fantasma ajudando um casal dos Apalaches a se reunir.

No entanto, a ideia foi rejeitada por Michael Eisner, o CEO da Disney na altura, e Thomas Schumacher, o chefe da Walt Disney Feature Animation na altura.

Isso porque Eisner achava que a história precisava de mais conflito, enquanto Schumacher achava que o elenco era "muito humano" e que o filme ficaria melhor em imagem real.


Relembrando a pesquisa que fizera em Appalachia, Cook lembrou-se de quantos residentes de lá se interessavam pela criação de bonecos induzidos para utensílios domésticos.


Então ele criou a seguinte história:

Situado em Appalachia, Texas, na década de 1940, este filme contaria a história de duas famílias rivais: os Harpers e os McGees, cujos dois filhos, Elgin e Rose, se apaixonam.

Elgin se interessava pela arte popular, criando bonecos de vários objetos domésticos, sendo a mais prominente, Angel: uma boneca com tema do Céu feita de uma colher de farinha que Elgin criou como presente de casamento para Rose.

Desejando que Elgin se esquecesse da sua filha, o Velho McGee preparou um lote de "Bebida de Lua Azul", uma poção criada pela sua falecida mãe, com a intenção de usá-lo para apagar a memória de Elgin.

No entanto, a sua poção acidentalmente deu vida aos bonecos, que vendo a situação á "Romeu e Julieta" que o seu criador e a namorada estavam a passar, decidiram fazer de tudo para que o casal ficasse junto para sempre.

Em certo momento da história, Angel declarou que não queria continuar a ajudar Rose e Elgin a ficarem juntos e saiu da cidade. 

Algumas das bonecas foram atrás dela na tentativa de fazê-la voltar, enquanto outras continuavam a sua missão, incluindo manter Herbert Hollingshead, o homem com quem o pai de Rose tentou arranjar para ela, longe.


Pensando que essas criações incomuns dariam uma característica única, Barry Cook criou uma maquete da Angel (cliquem aqui para verem como é) que esperava usar como ajuda visual na próxima reunião de história. 

No entanto, visto que ele estava na filial de animação na Flórida do estúdio, Barry Cook não pôde ir a Los Angeles para participar da referida reunião.

Então, Cook colocou a maquete numa mala de violino e a entregou em Los Angeles, momento em que telefonou para um assistente, instruindo-o a colocá-la na mesa da sala de conferências na próxima reunião da história. 

Quando chegou a reunião, Barry Cook relatou o seu conceito renovado a Thomas Schumacher por telefone e disse-lhe para abrir a mala. 

Intrigado, Schumacher deu luz verde a "My Peoples" ("O Meu Povo") com um orçamento de US$ 45 milhões. 


O motivo pelo qual foi chamado assim foi porque "My Peoples" era o nome coletivo de um grupo de bonecos criados por um artista popular falecido. 

Cook também achou que esse título sugeriria "uma referência acolhedora à família", que era um dos principais temas do filme.


A animação de "My Peoples" deveria ter sido uma mistura de técnicas de animação com os bonecos de Elgin sendo criados por computador, enquanto o resto (os humanos, os animais e os cenários), seriam animados a lápis.

A razão pela qual Cook queria que o filme fosse assim era porque ele não gostava da aparência dos filmes "completamente animados por computador" atuais. Eles pareciam "simples demais" nas suas palavras.


Então porque é que foi cancelado?

A produção estava a ir bem até Janeiro de 2003, quando Thomas Schumacher renunciou ao cargo de chefe de animação e foi substituído pelo ex-chefe de animação de televisão: David Stainton. 

Imediatamente, Stainton começou a sugerir várias mudanças de nome para o filme e não se impressionou com o storyreel, apresentado a ele em Fevereiro seguinte para que, eventualmente, ele ordenasse que o projeto fosse reformulado.


Depois de fazer uma viagem de pesquisa às montanhas Apalacianas, durante a qual ouviu muitas histórias de fantasmas de pessoas que havia visitado, Cook reescreveu levemente o filme para que os bonecos fossem possuídos pelos parentes falecidos de Elgin.

Devido a isso, o título foi alterado de "My Peoples" para "A Few Good Ghosts" ("Alguns Bons Fantasmas" traduzido literalmente). 

Barry Cook ficou um tanto insatisfeito com a mudança, pelo fato de ter um apego pessoal à sua ideia original e desejar poder mantê-la. No entanto, ele entendeu que, como diretor, teria que fazer sacrifícios.


Por outro lado, David Stainton e Michael Eisner ficaram impressionados com o novo enredo do filme. 

Depois de ver o storyreel de "A Few Good Ghosts" em Novembro daquele ano, Eisner disse à equipe de produção do filme "vocês finalmente têm um filme aqui!" Stainton chegou a comparar a qualidade do filme com os filmes da Pixar.


Infelizmente, no final daquele mês, David Stainton voou para a filial de animação da Flórida para anunciar que o filme seria cancelado em favor de "Chicken Little" (2005) de Mark Dindal. 

Isso porque ele sentiu que este último filme, com a sua história e personagens familiares, seria capaz de atingir um público mais geral.


Cliquem aqui, aquiaqui para ver as artes conceituais e storyboards do filme.

Aqui em baixo está uma compilação de clips do que estava a ser feito para o filme:

Aviso: um dos clips contêm SPOILERS de "O Sexto Sentido" (1999).



Portanto repetindo o titulo do post: Estes 2 filmes precisavam de ser cancelados?

Não precisavam.


No caso de "Wild Life", a decisão de Roy Disney é basicamente dizer que Animação devia ser só para crianças ou para todas as idades, quando sabemos que não deve.

Se ele tivesse lembrado disso, bastava lançar o filme através da Touchstone Pictures.

Para quem não sabe, a Touchstone foi criada pela Disney para distribuir filmes para adultos.


No caso de "My Peoples", mesmo que não entendesse o filme, Stainton devia ter deixado Barry Cook continuar a fazer o filme que quer fazer.

Afinal o filme é de Cook, não dele.


E vocês gostavam de ter visto estes filmes?

Escrevam nos comentários, se quiserem.


Um Bom Abraço e Até á Próxima!

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